Por Fernando Coelho
Se estivesse vivo e a idade não denunciasse, George Harrison poderia ter feito a foto acima ontem. A sentença soa exagerada, é verdade. Mas, afinal, trata-se de um selfie, o termo da moda no dialeto das redes sociais.
Claro que não foi o caso. Essa e outras imagens são registros da câmera com lentes olho-de-peixe clicados pelo mais esotéricos entre os integrantes dos Beatles durante a passagem pela Índia, em setembro de 1966. Naquela época – e até bem pouco tempo –, a prática tornada hábito pelas possibilidades de acesso à tecnologia tinha outro nome: autorretrato.
A diferença, como se percebe, é que o ato de capturar um instantâneo que flagra a si próprio, naquele segundo específico da vida, para guardar como uma lembrança, parece ter ganhado novos significados. Na dinâmica inconstante dos tempos, a essência mágica da fotografia – a materialização da memória – se confunde com exibicionismo, ostentação, marketing pessoal ou merchandising milionário, como se viu na última cerimônia de premiação do Oscar com o “selfie mais visto do planeta”.
Nada contra. Apenas a constatação de como os sentidos se avessam na equação de resultado sempre variável e impreciso que combina os vetores cultura, tecnologia e comportamento.
No caso do músico, ele viajou para o outro lado do mundo para aprender a tocar cítara com Ravi Shankar, ícone maior do instrumento. Ao chegar na terra de Gandhi, o autor de Something e My Sweet Lord se entregou aos encantos filosóficos-culturais do País exótico a seus olhos e não resistiu à chance de ‘perpetuar’ a estadia no terraço do Taj Mahal. Tudo sob as bênçãos de Shiva e do Mararishi.
Por outro lado, nos dias de hoje, tirar uma foto de si mesmo também pode parecer um crime inapelável, um deslize moral ou um delito do espírito até para o mais disciplinado zen budista. É quando o selfie soa como um eufemismo (cada vez mais) pejorativo, carregado nas tintas e pincelado com verniz barato para, no fundo, representar nada mais do que uma prática do século passado.
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